O Vencedor

fevereiro 3, 2011

por Pedro Costa de Biasi

 

Existe uma contradição interessante no cerne de O Vencedor (estreia desta sexta, dia 4, com sete indicações ao Oscar, incluindo filme e diretor) . O título, diga-se, é uma tradução tão correta quanto pobre, já que tira o valor de batalha constante que “lutador” carrega. Se as lutas giram em torno do boxeador “Irish” Micky Ward (Mark Wahlberg), não faltam oponentes: ele alterna dependência e rebeldia perante toda a sua família. Por isso o filme de David O. Russell toma uma guinada tão surpreendente para uma perspectiva mais positiva dos personagens.
 
Embora tenha problemas em encontrar lutas justas e vencê-las, Micky continua sendo agenciado por sua mãe Alice (Melissa Leo) e treinado por seu meio-irmão ex-boxeador, Dicky Eklund (Christian Bale), que é viciado em crack e cada vez mais irresponsável. Quando conhece Charlene (Amy Adams), Micky passa a demonstrar menos interesse no boxe e a reconhecer que nem tudo que seus familiares fazem por ele gera bons frutos.
 
Charlene é uma ruptura na vida do protagonista, provavelmente a primeira opinião divergente da família que teve na vida. Até lá, ele se comporta de maneira resignada, passando por cima do fato de que sua carreira foi um tanto desastrosa com a ajuda da mãe e do irmão. Não que essa mudança (ou melhor, uma imposição tardia) de opinião o afaste definitivamente dos parentes, ou o faça perder a esperança em tudo que lhe foi ensinado. Algo de bom resta até depois de tantas críticas.
 
Essa posição do roteiro de Scott Silver, Paul Tamasy e Eric Johnson fica muito clara no papel decisivo que Dicky tem nas lutas do irmão. Além de afeto, ele fornece boas táticas, cuja eficiência Micky comprova no ringue. Alice, por mais que faça algumas decisões danosas para o filho, também é bem-intencionada; afinal, ela divide o sangue com ele. É com honestidade que os roteiristas aceitam o amor familiar como uma convenção e um hábito, algo como uma inércia feliz.
 
A alternância constante do céu para o inferno no ambiente doméstico é um bom exemplo de como as imensas boas intenções não se fecham em uma perspectiva puramente otimista. No fim, a mensagem positiva resiste graças a certa permissividade que não parte necessariamente do roteiro. A natureza dos personagens dá lastro a essa união mesmo que ela tenha sido conquistada após desentendimentos tão sérios.
 
Wahlberg é importante para entender essa ambivalência. Envolvido pelas grandes presenças de Leo, Adams e as atrizes que interpretam as sete irmãs de Micky, ele empalidece. É quase o oposto do papel de Bale, costumeiramente frenético. Seu ânimo parece resgatado do fundo do cérebro drogado, focando a energia quando finalmente está no ringue com o irmão. É como se todos os problemas desaparecessem ali, quando tanta coisa está em jogo.
 
Sua atuação está em sintonia com o filme: uma amostra de que em algum momento, para algum efeito, pode-se esperar algo de bom das pessoas que nos amam. Essa visão rege a obra pela presença e pela ausência, já que personagens secundários como agentes e outros lutadores são descartados na medida em que não oferecem afeto. A generosidade é tamanha que, nos créditos finais, há um registro documental de Micky e Dicky, num elogio aberto às caracterizações de Bale e Wahlberg.
 
O. Russell faz uma escolha mais elegante na estética de jornalismo esportivo das lutas, que extrapola a importância daquele evento para uma noção cara a Dicky – que, como quase tudo no filme, é relativizada. Não só eles estão (re)colocando Lowell no mapa (como Dicky e o crack fizeram), como também conquistando reconhecimento como uma família unida pela determinação. Determinação não só para vencer no ringue, mas também para se manterem unidos apesar de todas as crises.

Uma resposta to “O Vencedor”

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